Disputa pelo mercado livre de energia gera até queixa de abuso de poder

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

A disputa por novos clientes no mercado livre de energia, desde 1º de janeiro, elevou a temperatura acima do previsto entre as comercializadoras, empresas que disputam esse segmento de negócio. Comercializadoras independentes acusam congêneres ligadas a grupos com distribuidoras de atuarem indevidamente para manter clientes.
A queixa mais comum trata do uso da informação. Para fazer a migração rumo ao mercado livre, o consumidor precisa avisar com antecedência a sua saída para a distribuidora.
Quem faz a notificação para as novas empresas que estão migrando a partir deste ano costuma ser, inclusive, a própria comercializadora que vai atender a esse consumidor no mercado livre, porque ela deve representá-lo no processo. Notificar a distribuidora não é uma opção, é obrigação prevista na regulação.
Algumas distribuidoras, no entanto, estariam avisando a sua comercializadora sobre a migração para que possa oferecer contrapartidas a esse cliente. Assim, o consumidor pode até deixar a distribuidora, mas permaneceria no grupo, agora como cliente da comercializadora.
Advogados ouvidos pela Folha afirmam que, se comprovada, essa prática pode ser enquadrada como abuso de poder de mercado e, inclusive, gerar questionamentos no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão que zela pela livre concorrência.
Existe também uma discussão sobre princípios da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). O entendimento é que distribuidoras devem manter e zelar por informações dos consumidores relacionadas a sua atividade. Não podem repassá-las para outra empresa do mesmo grupo. No entanto, os advogados avisam que isso vai depender do previsto no contrato de cada distribuidora.
A percepção geral, no entanto, é que o problema precisa ser enfrentado o quanto antes, com a criação de regras mais claras para evitar o pior no futuro.
Agora, a queda de braço envolve a conquista de cerca de 200 mil negócios de médio porte que podem fazer a migração. Quando a abertura do mercado livre chegar aos consumidores da baixa tensão, serão milhões de pequenas empresas e residências.
A troca de farpas entre concorrentes contaminou até o clima na Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia). A entidade reúne comercializadoras de todos os matizes e teve de administrar ânimos de associados em campos opostos desse debate.
“O problema existe e estamos tratando dele, sem cerimônias, desde o final do ano passado”, afirma Rodrigo Ferreira, presidente da Abraceel.
“Quem participa da entidade adere a um estatuto, a um código de ética e ao regimento interno. Se a gente perceber que alguém foi por um caminho que fere esses princípios, vamos tomar providências.”
Na tentativa de apurar as reclamações de forma mais organizada, a Abraceel chegou a lançar para os associados a campanha “Fale Aqui”, com o preenchimento de um formulário em que, de forma estruturada, podiam informar problemas na migração.
“Até para evitar fofoca e exagero, a gente colocou uma condicionante na campanha: o associado só podia relatar casos concretos, e para que um caso fosse concreto seria preciso identificar todas as partes envolvidas. A comercializadora, a concessionária de distribuição e sobretudo qual é o consumidor, e o que ocorreu”, explica Ferreira.
Foram 208 notificações de 20 associados sobre diferentes problemas com a migração, 15 deles detalhando abuso de poder de mercado dentro dos critérios exigidos. Exemplo concreto relatado: um cliente mandou email avisando que iria para o mercado livre, e o responsável na distribuidora respondeu, copiando o contato de um colega da comercializadora do grupo dizendo que tinha como oferecer o mesmo serviço.
Os queixosos foram instruídos a se reportarem formalmente à Superintendência de Fiscalização e à Ouvidoria da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que apura irregularidades.
Segundo Ferreira, a agência já está avaliando os casos, que correm em sigilo. Procurada, a Aneel disse que processos envolvendo denúncias e suas apurações têm um rito, e não há como divulgar impressões preliminares dessas análises.
Dado que os relatos no setor são bem maiores que os captados no “Fale Aqui”, a Abraceel fará uma segunda fase para que a campanha possa recolher dados quantitativos. Os associados poderão relatar problemas, mas sem o nível do detalhamento anterior.
O tema também foi levado à Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica). “Nos já tratamos desse tema com os nossos associados e alertamos que, se tem alguém adotando essa prática, ela não é adequada”, afirmou Marcos Madureira, presidente da Abradee.
O empresário Pedro Bittencourt, presidente da GreenAnt, empresa de gestão de energia, tentou fazer o tira-teima. Puxou dados das comercializadoras, incluindo as de grandes grupos, consolidados pela CCEE (Câmara de Compensação de Energia Elétrica). Conseguiu um panorama inicial sobre janeiro, que sinaliza a atividade do mercado na largada da disputa.
A comercializadora da Equatorial, por exemplo, aparece com a captação de 258 unidades de consumo —244, o equivalente a 95% delas, estavam nas áreas em que atuam as distribuidoras do grupo.
No caso da Neoenergia, foram 82 novas unidades. Dessas, 71, ou 87%, nas áreas de concessão de suas distribuidoras. Na Copel, 78% das novas unidades estão na sua área de concessão. Em relação à comercializadora da Energisa, essa proporção foi de 72%. Enel, 67%; CPFL, 61%, EDP, 42%, Cemig, 38%.
“Uma concentração iria no sentido oposto do que se propõe: a abertura de mercado busca a diversificação”, explica Bittencourt, que conhece o mercado livre no Reino Unido, na Austrália e Nova Zelândia.
Como um único mês não é suficiente para retratar o mercado como um todo, a proposta de Bittencourt era seguir com o levantamento por alguns meses, mas a CCEE suspendeu a divulgação das informações.

Fonte: BN

Next Post

Defesa Civil do RS pede doações de colchões, roupas de cama e cobertores para os afetados pelas enchentes

Dom Mai 5 , 2024
Mais de 50 pessoas morreram em decorrência dos temporais que atingiram o estado. Ao todo, 317 dos 496 municípios do estado registraram algum tipo de problema, afetando 510,5 mil pessoas. A Defesa Civil do Rio Grande do Sul pediu doação de itens que podem ajudar as pessoas afetadas pelas enchentes que atingem o estado. Entre os […]

Postagens