Dia do Índio é marcado por resistência de povos tradicionais à pandemia

Foto: Reprodução

O Dia do Índio, celebrado nesta segunda-feira (19), acontece em meio à pandemia que agravou a vulnerabilidade dos povos indígenas e o forçou mudanças de hábitos preservados há séculos. Rituais sagrados cancelados, danças adaptadas e o convívio remodelado. A Covid-19 impôs uma nova realidade aos 19 povos indígenas presentes no Ceará.

Diário do Nordeste conversou com três lideranças que revelam essas transformações e externam os desafios vigentes neste mais de um ano desde o surgimento da doença que já matou 1.039 índios em todo o País.

Para Antônio Ricardo Domingos da Costa, 60, o “Dourado Tapeba”, a principal mudança reside no “convívio entre os aldeados“. Ele conta que o “dia-a-dia não é mais o mesmo” e torce “para a cura rápida da doença”, referindo-se à vacinação.

“São dois mundos diferentes. Antes dessa doença, a comunidade vivia em forte comunhão. Éramos muito unidos. Não só na hora dos nossos rituais, mas em todos os momentos. As famílias tinham trocas de experiências e os jovens conviviam em harmonia. Hoje tudo mudou”.

DOURADO TABEBA
Liderança indígena

Para Tabeba, esta quebra de tradições e a ruptura cultural afetou os mais de 35 mil índios no Ceará. “Não há quem não sinta. Tentamos manter alguns ritos, mas de forma bem diferente e adaptada. A pandemia trouxe um grande impacto”

 

Um dos rituais ao qual se refere, é a dança do Toré, sagrado entre os indígenas. Os participantes entoam cânticos tradicionais e ancestrais na busca pela integração com as forças da natureza.

“Fazíamos todas as sexta-feiras. Nos rituais fechados, só com a presença dos índios, eram mais de 50 pessoas. Agora, são apenas 10 e, algumas vezes, não realizamos”, conta. Por vezes, o ritual é aberto ao público em geral, o que não ocorre desde o ano passado.

A dança do Toré é regida por uma música chamada Toante, que é cantado por um “cantador” ou “cantadora” e acompanhado pelos gritos ritmados dos demais índios. O Toré é um ritual que une e dança, religião, luta e brincadeira.

A aldeia Jenipapo é mais uma que teve os rituais interrompidos. Daniela Alves, 24, neta da Cacique Pequena, a primeira mulher na América Latina a liderar uma aldeia, confirma que o Toré nem sempre está sendo realizado. “Por medo”, revela a jovem que é graduanda no curso de Museologia pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

“Todos nós sabemos da importância espiritual da dança, mas o medo da contaminação impediu a realização. Esse momento conta com dezenas de índios, muitos deles idosos, portanto, essa ruptura não foi uma escolha, mas uma necessidade”, descreve a indígena que “nasceu e se criou na aldeia”, conforme faz questão de relatar.

 

Legenda: Com o cancelamento de rituais e danças sagradas, “a espiritualidade” foi afetada, revelam os indígenas
Foto: Acervo pessoal

IMPACTOS

Para Ana Maria D’Ávila Lopes, doutora em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais, e com pós-doutorado sobre os direitos dos povos indígenas na York University (Canadá) e University of Auckland (Nova Zelândia), não é só a existência física que está em xeque neste momento de pandemia, mas também a cultural.

Segundo explica, “pandemia tem também revelado a ausência de qualquer cuidado na compreensão das diversas cosmovisões indígenas, ao serem formuladas leis e políticas públicas sem a sensibilidade e empatia de levar em consideração as suas particularidades culturais”.

D’Ávila, que é filha de indígena peruano, considera que as restrições impostas pela pandemia possuem uma dimensão muito maior quando se trata dos povos indígenas, “pois a grande maioria vive em comunidade, realizando as atividades do dia a dia de forma conjunta, um ao lado do outro. Impor o isolamento afeta ainda mais um indígena”.

Ana Maria, que também é docente da Universidade de Fortaleza (Unifor), acrescenta que “atingir a identidade cultural de um ser humano é atingir a sua própria existência”, e, segundo avalia, “isso não vem sendo governamentalmente considerado”.

A especialista elenca que as tribos carecem de acesso satisfatório a serviços básicos como saúde, alimentação adequada, moradia, informação, e educação.

A sobrevivência das comunidades indígenas corre um iminente e concreto risco, o que constituiria uma gravíssima perda para o Brasil.

ANA MARIA D’ÁVILA LOPES
Docente e pós-doutora em Direitos dos povos indígenas

ENSINO AFETADO

Dourado Tabeba reflete que a educação, sobretudo para os mais jovens, tem sido o grande desafio nesta pandemia. “Nem todos têm acesso à internet e os mais novos, nem sempre sabem manusear dos aparelhos, então as aulas passaram a ter supervisão direta dos pais. Aí surge outro problema, com essa nova atribuição, a caça e a pesca também é afetada”.

Daniela Alves vai além. Em sua aldeia, assim como acontece em várias outras, as aulas são ministradas  “no mato, em contato com natureza” pelos anciãos, considerados “bibliotecas vivas” das aldeias.

“Mas por eles serem do grupo de risco, as aulas estão suspensas. São inúmeros exemplos que mostram os impactos causados pela pandemia nas aldeias indígenas e revelam que nossa vida foi completamente alterada”.

Fonte: Diário do Nordeste

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